Quando você olha para as redes de pessoas, sejam arquitetos ou jogadores de tênis de mesa ou um bando regular de amigos do Facebook, eles terão certas semelhanças. Eles tendem a confirmar a ideia de “seis graus de separação” de que a maioria das pessoas estão ligadas em alguns passos muito curtos. Cada pessoa tende a ter um grande número de ligações e a associar-se com pessoas que são semelhantes a ela. As redes também são normalmente organizadas em hierarquias.

Na ficção – o universo Maravilhoso ou Senhor dos Anéis, digamos – as redes de pessoas geralmente diferem em certos aspectos da coisa real. As pessoas não se associam apenas com pessoas semelhantes e têm um número menor de associados, por exemplo. E ao contrário das redes reais, você pode remover pessoas do equivalente fictício sem minar o número de conexões que as pessoas restantes são estatisticamente prováveis de fazer. Estas diferenças levantam uma possibilidade interessante: testar obras de ficção para ver até que ponto elas se desviam da realidade.

Um estudo inglês em 2012 fez exatamente isso com três textos clássicos – A Ilíada, Beowulf e o épico irlandês Táin Bó Cúailnge. A rede de pessoas em A Ilíada, a mais antiga obra conhecida da ficção ocidental, saiu como a mais parecida com a vida real. Isto sustentou vários documentos arqueológicos que tinham encontrado evidências de que certos eventos na obra histórica de Homero, como a Guerra de Tróia entre a Grécia e Tróia, realmente aconteceram em tempos antigos.

Homer run.

Num novo trabalho que publicamos em colaboração com Pedro Miranda da Universidade de Ponta Grossa no Brasil, usamos uma abordagem semelhante para olhar a sociedade retratada no outro poema clássico de Homero, A Odisséia. Homero foi um poeta na Grécia antiga no século VIII AC. A Odisséia, que é em parte uma continuação de A Ilíada, fala de um herói engenhoso chamado Odisseu, que lutou na Guerra de Tróia. Depois de sua vitória junto com os gregos, ele é amaldiçoado pelos deuses devido ao seu orgulho. Ele é forçado a passar dez anos de sua vida tentando voltar para casa, enfrentando um elenco de monstros, bruxas, bestas e canibais; e seu próprio terrível sentimento de desolação.

Como A Ilíada, A Odisséia é uma síntese das mais relevantes e onipresentes histórias e contos orais contados pela civilização de Homero. Desenvolvemos um método de extrair a informação social da história baseado nas interações dos personagens uns com os outros – isto foi um esforço e tanto porque em muitos casos, não está claro na história quem está falando com quem; olhamos várias traduções para ter certeza de que não estávamos sendo enganados em nossas interpretações.

A partir disto conseguimos identificar um total de 342 caracteres com 1.747 conexões entre eles, ilustrados no diagrama abaixo. Analisamos este material utilizando diversas ferramentas derivadas da teoria das redes complexas: métodos estatísticos para produzir dados sobre as características da rede, e insights sobre a tendência das pessoas em formar cliques que estão totalmente conectados. Também comparamos as suas características com as das redes no Facebook.

O elenco da Odyssey de 342 – as cores correspondem a diferentes cliques. Miranda/Baptista/Pinto

O que encontramos

Encontramos evidências substanciais de uma estrutura social “da vida real” na Odyssey. Notavelmente, os personagens de cada capítulo ou cena descritos nos 24 livros do poema correspondiam quase precisamente a cliques em redes da vida real. Isso nos levou a pensar: Homero tinha um profundo entendimento das redes, ou ele copiou detalhes chave sobre seus personagens e suas interações de outros lugares?

Para examinar isto mais de perto, nós reanalisamos a análise, desta vez excluindo personagens mitológicos como deuses e monstros. A rede restante era ainda mais similar ao que você esperaria na vida real. Por outro lado, fizemos uma análise que excluía os personagens humanos e mantinha os mitológicos, ficando com uma rede inteiramente fictícia. A conclusão óbvia é que A Odisséia é uma amálgama de personagens reais e fictícios.

Gustav Schwab, Odysseus volta para lutar contra os pretendentes (1892).

Vemos também até que ponto certos personagens da história fazem conexões da forma que você esperaria no mundo real. Mais uma vez, o trabalho em rede dos deuses mitológicos, heróis e bestas que formam a assembléia dos deuses da história não estava de acordo com a forma como as pessoas fazem contatos. Por exemplo, eles tendiam a interagir com um número anormalmente grande de personagens em outras comunidades – mostrando o tipo de onipresença que poderíamos associar a um deus. Em contraste, os personagens humanos em A Odisséia fizeram conexões de formas comparáveis às pessoas no Facebook de hoje.

Como muitas vezes é o caso na ficção, parece que Homero não estava apenas contando histórias, mas refletindo eventos e personagens que existiam na Grécia antiga. Ele sublinha a importância histórica de seus escritos, e também levanta a possibilidade de usar a mesma técnica para avaliar outras obras históricas. Certamente é apenas uma questão de tempo, por exemplo, antes que alguém use a complexa teoria das redes sobre a Bíblia.

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