RELATÓRIOS DE CAIXA

Desordem de articulação: deslocamento não redutor do disco com limitação de abertura bucal – relato de um caso

Hellen Cordeiro CorrêaI; Ana Carolina Stevaneli FreitasI; Anísio Lima da SilvaII; Túlio Kalife CoêlhoIII; Daisilene Baena CastilloIV; Gustavo Helder VinholiV

Aluno de Graduação, Disciplina de Dentisteria Protética, Departamento de Odontologia Restauradora e Prótese, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil
IIDDS, MSc, PhD, Professor Titular, Disciplina de Dentisteria Protética, Departamento de Odontologia Restauradora e Prótese Dentária, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil IIIDDS, MSc, Professor Titular da Disciplina de Prótese, Departamento de Odontologia Restauradora e Prótese, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil IVDDS, MSc, Professor Titular, Disciplina de Oclusão, Departamento de Odontologia, Faculdade de Odontologia, Universidade para o Desenvolvimento do Estado e Região do Pantanal, Campo Grande, MS, Brasil
VDDS, Professor Assistente, Disciplina de Oclusão, Departamento de Odontologia Restauradora e Prostodontia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil

Endereço correspondente

ABSTRACT

A desarranjo interno da articulação temporomandibular (ATM) representa 8% de todos os casos de desordens temporomandibulares (DTM), apresentando dificuldades para estabelecer um diagnóstico e tratamento precisos devido à sua baixa prevalência. Este artigo apresenta o caso de uma paciente caucasiana de 18 anos de idade que veio ao nosso Serviço de Dor Orofacial e Ambulatório de DTM com queixas de dor intensa na ATM direita e limitação da abertura da boca (abertura interincisal máxima de 29 mm) com desvio para a direita, que ela vinha experimentando nos últimos 3 anos. Após uma entrevista clínica detalhada, foi estabelecida uma hipótese diagnóstica de deslocamento não redutor do disco com limitação da abertura bucal. O tratamento proposto consistiu de infiltração intra-articular com anestesia na ATM direita, seguida de manipulação da mandíbula para recapturar o disco articular, o que estava impedindo o movimento de translação completo da ATM afetada. Após a manipulação da mandíbula, uma nova avaliação foi feita e mostrou o restabelecimento da dinâmica da mandíbula com abertura e fechamento da boca sem desvio para o lado direito, clicando, limitando a abertura ou dor. O paciente foi acompanhado em intervalos de 6 meses. Dois anos após o tratamento, a paciente foi reavaliada e sua amplitude de movimento mandibular sem auxílio aumentou para 54mm sem clique, desvio para a direita, trismo ou dor na ATM, indicando o sucesso da abordagem do tratamento sem recorrência da patologia.

Palavras-chave: Temporomandibular. Deslocamento do disco. Imitação de abertura bucal.

INTRODUÇÃO

Desordens temporomandibulares (DTM) é um termo coletivo que inclui um grande espectro de problemas clínicos da articulação e da musculatura da área orofacial; essas disfunções são caracterizadas principalmente pela dor, sons na articulação temporomandibular (ATM) e função irregular ou limitada da mandíbula. Ela é composta por um subgrupo distinto de distúrbios músculo-esqueléticos e reumatológicos, representando uma importante causa de dor não dentária na área orofacial2,4,

As disfunções da ATM desempenham um papel importante na produção dos sinais e sintomas da DTM e têm sido amplamente discutidas na literatura. Os problemas na ATM foram o foco inicial do desenvolvimento dos conceitos de DTM. Um estudo de Costen3 (1997) foi a marca inicial dessa linha de pesquisa, pois esse autor listou uma série de sintomas associados ao deslocamento distal da mandíbula e atribuiu essa etiologia a uma grande redução da abertura bucal após a perda dos dentes. Muito antes, na década de 50, o interesse era dirigido aos músculos mastigatórios, que eram considerados a fonte mais frequente de sinais e sintomas de DTM7. Mais tarde, na década de 80, vários autores relataram que os distúrbios articulares eram os fatores mais prevalentes na DTM, porém, atualmente, muitos autores afirmam que uma variedade de disfunções pode causar patologias na ATM e na musculatura mastigatória agindo separadamente ou em conjunto2,

Um estudo prévio1 que fez uma caracterização dos pacientes em um ambulatório de DTM e dor orofacial constatou que 8% dos casos diagnosticados envolviam apenas a ATM, 73% envolviam apenas a musculatura mastigatória e 19% tinham ambos os tipos de distúrbios. Segundo esse estudo, cerca de 8 milhões de pessoas no Brasil têm algum grau de DTM, 90% desse total são mulheres de 20 a 45 anos de idade. De acordo com Dworkin e LeResche5 (1992), as DTMs são classificadas em três tipos: 1. Disfunção Muscular Mastigatória: distúrbios musculares e distúrbios musculares com limitação de abertura bucal; 2. Derivação Interna da ATM: deslocamento discal com redução, deslocamento discal não redutor com limitação de abertura bucal; deslocamento discal não redutor sem limitação de abertura bucal; e 3. Doenças degenerativas: osteoartrose e osteoartrose.

Por definição científica, o deslocamento não redutor do disco com limitação de abertura bucal é uma condição na qual o disco original é deslocado de sua posição entre o côndilo e a fossa articular para uma posição avançada, medial ou lateral, associada à limitação de abertura bucal2,4,5. Segundo vários autores2,4,5,11, esta patologia apresenta sinais e sintomas patognomônicos: Histórico de limitação significativa da abertura bucal; Abertura bucal máxima sem auxílio de 35 mm ou menos; Abertura bucal máxima com auxílio de 4 mm ou menos em relação à abertura sem auxílio; Abertura limitada com deslocamento sem correção da mandíbula para o lado da ATM afetada; Ausência de ruídos articulares (o paciente geralmente relata histórico de estalido recíproco na ATM afetada, que foi interrompido após o bloqueio da mandíbula; Dor na região pré-auricular durante a função maxilar e mastigação de alimentos duros; Dor à palpação e durante os testes articulares funcionais na ATM afetada. Ainda de acordo com os autores acima mencionados2,4,5,11, se todos esses sinais e sintomas patognomônicos estiverem presentes, exames complementares de imagem não são necessários para estabelecer um diagnóstico. Este artigo apresenta o caso de um paciente jovem que procurou tratamento em nosso Serviço de Dor Orofacial e Ambulatório de DTM devido à intensa dor na ATM direita e limitação de abertura bucal nos últimos 3 anos, e foi diagnosticado como tendo deslocamento de disco não redutor com limitação de abertura bucal com base nos sinais e sintomas clínicos.

MATERIAL E MÉTODOS

Uma paciente do sexo feminino, 18 anos de idade, branca, veio ao Serviço de Dor Orofacial e Ambulatório de DTM da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil com queixas de dor extrema na região pré-auricular direita, limitação de abertura bucal (abertura interincisal máxima de 29 mm) e movimento maxilar com desvio para o lado direito (Figura 1). A dor havia começado forte e intensa e o último episódio de dor ocorreu 45 dias antes da consulta. O paciente relatou ter sofrido dessas condições nos últimos 3 anos. Uma dor palpitante e tortuosa foi descrita no ouvido direito com uma frequência de 7 dias por semana. Costumava começar pela manhã e durava o dia todo até o final da noite. A paciente informou que a intensidade da dor aumentava quando mastigava alimentos duros ou fazia qualquer função mandibular ou parafunção. Não falar e não fazer nenhuma função mandibular aliviava a dor, enquanto o estresse, mastigar alimentos duros e parafunção piorava a sensação dolorosa.

Após uma entrevista clínica detalhada, foi estabelecida a hipótese diagnóstica de deslocamento não redutor do disco com limitação de abertura bucal5. O tratamento proposto consistiu de infiltração intra-articular com anestesia na ATM direita, seguida de manipulação da mandíbula para recapturar o disco articular, o que estava impedindo o movimento de translação completo da ATM afetada2. A paciente foi infiltrada com 3% de prilocaína com felipressina (0,03 IU/mL; Citanest®; Astra Química do Brasil Ltda., São Paulo, SP, Brasil) em um cartucho de 1,8 mL embalado em uma seringa de Carpule (Duflex, S.S.White, Rio de Janeiro, RJ) com uma agulha longa (Figura 2). A técnica aplicada consistiu na modificação da técnica de artrocentese proposta por Nitzan, et al.9 (1991), na qual a infiltração da solução anestésica foi feita sem a presença do tubo de aspiração do clister – cano. A linha do trago foi delimitada pela borda do olho e a primeira demarcação foi feita 10mm distante do trago e 0,5mm abaixo da linha traçada. A paciente foi mantida com a boca aberta durante todo o procedimento, de tal forma que a solução anestésica pudesse ser introduzida no compartimento superior da cavidade articular, que permaneceu vazia, e então o côndilo foi posicionado para frente. Após o procedimento anestésico, a mandíbula foi manipulada para recapturar o disco articular que estava em posição anterior e sem redução. Uma manipulação passiva foi realizada com movimentos no sentido anti-horário. Um forte estalido foi ouvido durante o processo, indicando sucesso na recaptura do disco.

Após a manipulação da mandíbula, nova avaliação mostrou o restabelecimento da dinâmica mandibular com abertura e fechamento da boca sem desvio, estalido, trismo ou dor (Figura 3). O arco de movimento mandibular sem auxílio foi de 51 mm, sem dor na ATM direita. Como complemento da terapia, na mesma sessão foi confeccionada uma placa frontal com o objetivo de manter a mandíbula totalmente avançada durante 2 dias de uso contínuo e recuperar o formato anatômico original do disco em forma de “laço”. Um medicamento antiinflamatório não-hormonal do tipo inibição seletiva (Arcoxia®; 90 mg; Merck Sharp & Dohme, São Paulo, SP, Brasil) foi prescrito uma vez ao dia durante 7 dias associado à crioterapia na ATM direita por 10 min, 3 vezes ao dia durante 7 dias.

O paciente foi acompanhado em intervalos de 6 meses. Dois anos após o tratamento, a paciente foi reavaliada e sua amplitude de movimento mandibular sem auxílio aumentou para 54 mm sem clique, desvio para a direita, trismo ou dor na ATM, indicando o sucesso da abordagem do tratamento sem recorrência da patologia (Figura 4).

DISCUSSÃO

Este protocolo de tratamento para desarranjo interno da ATM é uma nova modalidade de cirurgia conservadora. No passado, vários casos de deslocamentos discal e trismo maxilar que tinham sido tratados conservadoramente usando talas interoclusais, termoterapia, fisioterapia, crioterapia e drogas, e que não tinham atingido o resultado desejado, foram encaminhados para cirurgia e submetidos a procedimentos mais agressivos, como ancoragem de disco e/ou artroplastia da ATM15,

A abordagem terapêutica utilizada no presente caso emerge como uma alternativa intermediária entre o tratamento conservador e cirúrgico. As vantagens desta terapia são transmitidas na simplicidade da técnica aplicada, e também, no fato de ser completamente reversível, de menor custo e perfurável na clínica odontológica. A lavagem do espaço articular superior reduz a dor devido à remoção dos mediadores inflamatórios que atuam na articulação12. Há um aumento da mobilidade maxilar para a ruptura das aderências intrajuntas14 e a melhora da mobilidade discal, o que reduz a obstrução mecânica causada pela posição anterior do disco8. A manipulação da mandíbula visa a recapturar o disco ou pelo menos quebrar suas aderências, o que se espera permitir o retorno da lubrificação pelo líquido sinovial e a reabsorção do líquido inflamatório persistente2,11.

Como complemento do tratamento, a placa frontal bloqueia a mandíbula em posição avançada, permitindo que o ligamento capsular se estabilize e, como conseqüência, proporcione a remodelação da área bilaminar e permita que o disco recupere sua forma anatômica original, pelo prolongamento do recesso anterior e compressão de sua porção central6,10,11,13. No caso apresentado neste trabalho, a abordagem do tratamento foi bem sucedida com melhora da sintomatologia associada ao desarranjo interno da ATM e aumento da amplitude de movimento mandibular.

CONCLUSÃO

Foi possível observar uma melhora e recuperação efetiva do paciente submetido ao protocolo terapêutico proposto.

1- Bove SR, Guimarães AS, Smith RL. Caracterização dos pacientes em um ambulatório de disfunção temporomandibular e dor orofacial. Rev Lat Am Enfermagem. 2005;13(5):686-91.

2- Carlsson GE, Magnusson T, Guimarães AS. Gerenciamento de distúrbios temporomandibulares na clínica geral odontológica. Chicago: Quintessência; 2006.

3- Costen JB. Síndrome do ouvido e sinusite dependente de distúrbios da função da articulação temporomandibular. Ann Otol Rhinol Laryngol. 1997;106(10 pt 1):805-19.

4- DeBoever JA, Carlsson GE. Etiologia e diagnóstico diferencial. In: Zarb GA, Carlsson GE, Sessle BJ, Mohl ND, editores. Articulação temporomandibular e distúrbios musculares mastigatórios. 2ª ed. Copenhague: Munksgaard; 1994.

5- Dworkin SF, LeResche L. Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: review, criteria, examinations and specifications, critique. J Desordem Craniomandibular. 1992;6(4):301-55.

6- Farrar WB, McCarty WL. A clinical outline of temporomandibular joint diagnosis and treatment. Montgomery: Normandie Publications; 1982.

7- Linton SI, Hellsing Al, Andersson D. Um estudo controlado do efeito de uma intervenção precoce em problemas de dor músculo-esquelética aguda. Dor. 1993;54(1):353-9.

8- Moses JJ, Sartoris D, Glass R, Tanaka T, Poker I. The effect of arthroscopy surgical lysis and lavage of the superior joint space on temporomandibular joint disc position and mobility. J Oral Maxillofac Surg. 1989;47(7):674-8.

9- Nitzan DW, Dolwick MF, Martinez GA. Temporomandibular joint arthrocentesis: um tratamento simplificado para a abertura grave e limitada da boca. J Oral Maxillofac Surg. 1991;49:1163-7.

10- Okeson JP. Tratamento das desordens temporomandibulares e oclusão. 6ª ed. Saint Louis: Mosby-Elsevier; 2008.

11- Palla S. Mioartropatias del sistema mastigatório e dolores orofaciais. São Paulo: Artes médicas; 2004.

12- Quinn JH, Bazan NG. Identificação de prostaglandina E2 e leucotrieno B4 no líquido sinovial de articulações temporomandibulares dolorosas e disfuncionais. J Oral Maxillofac Surg. 1990;48(9):968-71.

13- Shoji YN. Tratamento não cirúrgico do deslocamento anterior do disco sem redução da articulação temporomandibular: relato de caso sobre a relação entre a rotação condilar e a tradução. Cranio. 1995;13(4):270-3.

14- Spallaccia F, Rivaroli A, Cascone P. Articulação temporomandibular: resultados a longo prazo. Bull Group Int Rech Sci Scientist Odontol Stomatol. 2000;42(1):31-7.

15- Vasconcelos BEV, Bessa-Nogueira RV, Rocha NS. Artrocentese da articulação temporomandibular: avaliação dos resultados e revisão da literatura. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(5):634-8.

Endereço correspondente:
Gustavo Helder Vinholi
Departamento de Odontologia Restauradora e Prótese
Faculdade de Odontologia “Albino Coimbra Filho”, UFMS
Av. Senador Filinto Müller, s/nº – Bairro Vila Ipiranga – Caixa Postal 549
79080-190 – Campo Grande, MS, Brasil Telefone/Fax: +55-67-3345-7681 e-mail: [email protected]

Recebido: 4 de junho de 2008
Modificação: August 30, 2008
Accepted: October 7, 2008

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